TRAIÇÃO GERA DANOS MORAIS?
A descoberta da infidelidade pode despertar os sentimentos mais estranhos do mundo, mas o desejo de punir o traidor é o mais comum. Daí a pergunta: a traição gera dano moral? Em regra, não. Mas, a depender das circunstâncias e consequências, pode ser que sim. Explico!
É claro que a traição pode provocar abalo emocional, raiva, choro, insônia, revolta, tristeza, repulsa, ódio e, sei lá, o rol é interminável. Todavia, a infidelidade e a ruptura dos laços afetivos, por si só, não geram o dever de indenizar.
É preciso mais do que isso (não que seja pouco), pois o “traído” deve comprovar que a traição o expôs a uma situação vexatória e humilhante, de tal grandeza que os seus direitos de personalidade foram gravemente lesados. Há de se provar que o fato provocou consequências acima do normal.
Certamente, que a análise é altamente subjetiva e depende do caso concreto, por exemplo: a traição foi pública, notória e exposta em grupos de whatsaap e nas redes sociais, causando um constrangimento tão grande que o “traído” desfez o noivado, desmarcou o casamento e, em seguida, trancou-se em casa para mergulhar em profunda depressão e, não bastasse, desenvolveu Síndrome do Pânico.
Em circunstâncias como tais, existiu claramente o evento danoso, o nexo de causalidade e, finalmente, o resultado nefasto na vida do lesado. Mas não adianta tentar incluir o famoso “Ricardão” (sei, essa é velha), pois o dever de fidelidade existe apenas entre o casal. Logo, esquece de incluí-lo no polo passivo da demanda, pois não haverá chances de sucesso.
Outro ponto importante: não é o Juízo de Família que analisa o dano moral proveniente de infidelidade em relações afetivas, sejam maritais ou não. A ação deve ser proposta no Juízo Cível, ainda que se discuta em Vara de Família o divórcio com partilha de bens.
E mais: a Ação de Danos Morais deverá ser muito bem “aparelhada”, sob pena de a reparação não ser concedida. Portanto, produza sua prova com:
a- fotografias, bilhetes e mensagens comprovando que existia relação afetiva entre as partes;
b- notas fiscais e convites demonstrando que o noivado e/ou casamento estavam marcados;
c- notas fiscais a aquisição de bens móveis referentes à montagem da residência;
d-“prints” do whatsapp, instagram e facebook evidenciando a publicidade da traição;
e- “prints” das referidas fontes traduzindo os comentários e chacotas sociais;
f- laudo médico atestando que o impacto emocional da descoberta provocou patologias físicas e/ou psíquicas; e,
g- rol de testemunhas que presenciaram a infidelidade e, principalmente, capazes de afirmar que o “infiel” não adotou nenhuma cautela quanto ao sigilo para poupar a imagem da “traída” perante a sociedade.
São alguns elementos de provas e, por óbvio, o caso concreto poderá implicar a necessidade de outros diversos e/ou adicionais, com o objetivo de demonstrar ao Juízo que a causa difere das raias normais das “simples” traições. Eis o ponto nodal, qual seja: RETIRAR DA VALA COMUM!
Sobre o tema, veja-se os Acórdãos do TJDFT 1.243.881 e 1.084.472, abaixo transcritos, “verbis”:
“APELAÇÃO CÍVEL E AGRAVO INTERNO. DIREITO DE FAMILIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. NÃO ATENDIMENTO AO COMANDO JUDICIAL. PRECLUSÃO. MOTIVO DE FORÇA MAIOR NÃO COMPROVADO. DESERÇÃO CONFIRMADA. INFIDELIDADE CONJUGAL. DANO MORAL. AUSENCIA DE EXPOSIÇÃO PÚBLICA DO CONJUGE TRAÍDO. INOCORRENCIA DE VIOLAÇÃO A DIREITOS DA PERSONALIDADE. INEXISTENCIA DE DANO INDENIZÁVEL. SENTENÇA MANTIDA. (…) 2. O dano moral, passível de ser indenizado, é aquele que, transcendendo à fronteira do mero aborrecimento cotidiano, a que todos os que vivem em sociedade estão sujeitos, e violando caracteres inerentes aos direitos da personalidade, impinge ao indivíduo sofrimento considerável, capaz de fazê-lo sentir-se inferiorizado, não em suas expectativas contratuais, mas em sua condição de ser humano. 1.1. O dano moral, previsto no art. 5º, inc. X, da Constituição Federal e no art. 186 do Código Civil, revela-se diante de uma ação ou omissão de outrem que, atingindo valores subjetivos da pessoa, provoca injusta dor, sofrimento ou constrangimento. 3. Dispõe o art. 1.566 do Código Civil, que são deveres de ambos os cônjuges a fidelidade recíproca (inc. I), bem como o respeito e consideração mútuos (inc. V). Por outro lado, não há que se falar em dever de indenizar quando ocorrer o descumprimento dos deveres acima tracejados, porquanto necessita existir uma situação humilhante, vexatória, em que exponha o consorte traído a forte abalo psicológico que, fugindo à normalidade, interfira de sobremaneira na situação psíquica do indivíduo. Assim, a traição, por si só, não gera o dever de indenizar. 4. No caso em apreço, as informações dos autos não evidenciam a exposição da apelante em situação vexatória, com exposição pública, já que, a toda evidência, a alegada (e não comprovada) infidelidade conjugal, não teria extrapolado o ambiente doméstico. 4.1 Isso porque, não há provas concretas que ratifique a tese de que o requerido tenha sido visto por terceiros em ambiente público acompanhado de outras mulheres e, por consequência, expondo a autora a situação constrangedora perante amigos e familiares. 5. É evidente que a ruptura de laços afetivos gera mágoas, tristeza, dores, raiva, sensações ríspidas, e até mesmo frustrações de sonhos e expectativas. Todavia, a quebra da união – ainda que fundada em uma alegada infidelidade (não comprovada) – não é apta a caracterizar, por si só, os requisitos da indenização por danos morais, se não existir relato de extremo sofrimento ou situações humilhantes que ofendam a honra, a imagem, a integridade física ou psíquica do indivíduo, fato que, nos autos, não revelam que o constrangimento ou o abalo emocional noticiado pela apelante teria sido apto a gerar o sofrimento extremo para caracterizar a ruptura do bem estar. Portanto, ausente o dever de indenizar. 6. Recursos conhecidos e desprovidos (Acórdão 1.243.881, 7ª TC, DJE de 4.5.2020, Rel. Des. Gislene Pinheiro).”
”APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. INFIDELIDADE CONJUGAL. PROVA. OFENSA A ATRIBUTO DA PERSONALIDADE. DANO MORAL CONFIGURADO NO CASO. 1. O simples descumprimento do dever jurídico da fidelidade conjugal não implica, por si só, em causa para indenizar, apesar de consistir em pressuposto, devendo haver a submissão do cônjuge traído a situação humilhante que ofenda a sua honra, a sua imagem, a sua integridade física ou psíquica.
2. No caso, entretanto, a divulgação em rede social de imagens do cônjuge, acompanhado da amante em público, e o fato de aquele assumir que não se preveniu sexualmente na relação extraconjugal, configuram o dano moral indenizável.
3. Apelação conhecida e não provida (Acórdão 1.084.472, 7 ªTC, DJE de 26.3.2018, Des. Rel. Fábio Eduardo Marques).