Alguém duvida que o mundo está cheio de “Bruacas” e “Tenórios”? Na ficção, ela outorgou procuração para ele gerir todos os seus bens e direitos, enquanto permanecia “encarcerada” no lar, sem informação e conformada com todo o tipo de violência moral, psicológica e patrimonial.
Traduzindo: Bruaca outorgou procuração com grande extensão de poderes, conferindo a Tenório o mandato geral de administração e, ainda, o mandato especial para alienar, hipotecar e transigir. Ocorre que ele é grileiro de terra e, certamente, a utilizou como “laranja” do seu enorme pomar de ilegalidade. E agora?
Bruaca pode REVOGAR O MANDATO, com apoio no art. 682, I, do CC, não sendo necessárias justificativas, por se tratar de direito potestativo da outorgante/mandante (Bruaca), ante a perda da confiança. Veja-se, “verbis”:
Art. 682 do CC. Cessa o mandato:
I – pela revogação ou pela renúncia.
Entretanto, há de se resguardar o direito de terceiros que, de boa-fé, tenham celebrado contratos com o outorgado/mandatário (Tenório), em face do mandato que fora revogado. Vale lembrar que a boa-fé é presumida no direito e, a má-fé, deve ser provada.
E o que fazer quando o mandato foi conferido com a cláusula da irrevogabilidade. De igual forma, pode-se revogar, entretanto, a revogação pode implicar a pena de perdas e danos ao outorgante se o outorgado provar que sofreu prejuízos em face da revogação. Inteligência do art. 686 do CC, “verbis”:
“Art. 686 do CC. A revogação do mandato, notificada somente ao mandatário, não se pode opor aos terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele trataram; mas ficam salvas ao constituinte as ações que no caso lhe possam caber contra o procurador.”
Ainda sobre o tema, veja-se a recente decisão do TJDFT, “verbis:
“PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. APELAÇÃO CIVEL. REVOGAÇÃO DE MANDATO. CLÁUSULA DE IRREVOGABILIDADE. POSSIBILIDADE. RESSALVA QUANTO AS PERDAS E DANOS. PROCURAÇÃO OUTORGADA COM PODERES DE REPRESENTAÇÃO EM SOCIEDADE FAMILIAR. POSSIBILIDADE DE NEGOCIAÇÃO DE QUOTAS SOCIAIS. CONFLITOS. AUSÊNCIA DE CONFIABILIDADE NO MANDATÁRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PEDIDO DE MAJORAÇÃO. RAZOABILIDADE DO IMPORTE FIXADO NA ORIGEM. 1. A revogação é uma das causas de extinção do mandato, sendo direito potestativo do mandante revogá-lo ad nutum, ou seja, independentemente de justificativa a ser apresentada, máxime por ser da sua essência a relação de confiabilidade entre mandante e mandatário, pontos primordiais para a continuidade dessa espécie de contrato. 2. Malgrado exista cláusula de irrevogabilidade, o mandato pode, em princípio, ser revogado, ressalvada eventual indenização por perdas e danos pelos efeitos produzidos por essa revogação, não gerando efeitos em relação a terceiros que, ignorando a revogação, de boa-¬fé, celebraram negócios com o mandatário (art. 686 do CC). 3. Conquanto constem as cláusulas de irrevogabilidade, irretratabilidade e dispensa de prestação de contas, para que o instrumento de mandato em causa própria seja considerado título translativo de propriedade, deve conter os elementos essenciais da compra e venda ou de qualquer outro negócio capaz de produzir a transferência dos bens, tais como a individualização do bem com todas as suas características, o preço pago, as condições de quitação e a anuência das partes envolvidas, sob pena de se configurar apenas procuração autorizativa de representação. Precedentes. 4. In casu, a procuração não possui em seu conteúdo a menção a negócio jurídico bilateral translativo, mas encerra conteúdo de representação da autora na qualidade de sócia de empresa familiar, com a possibilidade de negociação de quotas da empresa, sendo, portanto, legítimo o pleito autoral em revogar o mandato diante dos conflitos familiares existentes entres as partes, irmãos que não mais mantem a necessária relação de confiabilidade para a manutenção do requerido como seu procurador no exercício do poder de controle da sociedade empresária da família. 5. Os honorários sucumbenciais devem ser fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, consoante expresso no §2º do art. 85 do CPC. 6. Todavia, quando o proveito econômico é inestimável ou irrisório, ou quando o valor da causa é muito baixo, se mostra admissível o uso da equidade para a fixação da verba honorária (Art. 85, §8º, do CPC). 7. Apelos não providos. (Acórdão 1337396, DJE 20.05.21, Rel. Des. Arquibaldo Carneiro Portela).
É gente, acontece que o mundo real confunde-se com a ficção. Tenho visto pessoas instruídas assinando documentos sem ler ou compreender a substância do ato. Depois, não adianta chorar pelo “leite derramado”. Segundo a cultura popular, uma camponesa levava sobre a cabeça um balde de leite e distraiu-se pensando no que compraria com o produto da sua venda, até que…Então se liga, sai da cápsula, tenta entender o que acontece ao seu redor.