QUANDO O SEPARADO DE FATO TEM DIREITO À HERANÇA?

Olha que assunto sensível: o cônjuge sobrevivente tem direito à herança deixada pelo cônjuge falecido ainda que separado de fato? Depende!

Exemplifico: Uteildo e Maristesía eram casados, entretanto, o relacionamento estava corroído pela convivência há mais de 40 anos; ele mantinha relacionamentos clandestinos e ela fingia não saber e, como a vida dupla mata (ah, se mata), o “Don Juan” sofreu um enfarte e morreu sem deixar filhos.

Bem, se o falecido não deixou descendentes, o cônjuge sobrevivente é considerado herdeiro necessário e herdará todos os bens, independente do regime de bens adotado. Contudo, cuidado com a regra do art. 1.830 do CC, “verbis”:

“Art. 1.830 do CC. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.”

Nesse contexto, considerando a morte de Uteildo: a- se Maristesía estivesse casada e separada de fato há mais de 2 anos do óbito, não seria herdeira necessária; b- se, a menos de 2 anos, faria jus a todos os bens do morto; e, c- se, há mais de 2 anos, seria herdeira, desde que provasse ser o falecido infiel e bêbado contumaz agressivo.

Todavia, na hipótese “c”, como um morto vai se defender? Por isso, a doutrina vem rechaçando esse prazo de 2 anos e sugerindo que a separação de fato, independentemente do tempo, seria suficiente para afastar o sobrevivo da sucessão. Ademais, a EC 66/2020 afastou discussões sobre a culpa nos términos da relação.

Ocorre que o STJ vem mantendo a literalidade do art. 1.830 do CC, de forma a consagrar a regra temporal dos 2 anos, conforme os recentes julgados, “verbis”:

“AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ACORDO DE DIVÓRCIO. ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 7/STJ. SEPARAÇÃO DE FATO. DIREITO SUCESSÓRIO. SEPARAÇÃO DE FATO HÁ MAIS DE DOIS ANOS. SÚMULA N. 83/STJ. 1. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ). 2. De acordo com o artigo 1830 do Código Civil, somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1748352/GO, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 14/06/2021, DJe 17/06/2021).”

“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVENTÁRIO. 1. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. CABIMENTO. 2. SEPARAÇÃO DE FATO HÁ MENOS DE 2 ANOS. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. CONDIÇÃO DE HERDEIRO. RECONHECIMENTO. PRECEDENTES. 3. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. Os arts. 932, IV, a, do CPC/2015; 34, XVIII, a, e 255, § 4º, I e II, do RISTJ devem ser interpretados conjuntamente com a Súmula 568/STJ, a fim de permitir que o relator decida monocraticamente o recurso, quando amparado em jurisprudência dominante ou súmula de Tribunal Superior, como no caso dos autos. 1.1. Nessas hipóteses, não há falar em usurpação de competência dos órgãos colegiados em face do julgamento monocrático do recurso, estando o princípio da colegialidade preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal por meio da interposição de agravo interno. 2. Com efeito, conforme já decidido por esta Corte Superior, “o cônjuge herdeiro necessário é aquele que, quando da morte do autor da herança, mantinha o vínculo de casamento, não estava separado judicialmente ou não estava separado de fato há mais de 2 (dois) anos” (REsp 1.294.404/RS, DJe de 29/10/2015). 2.1. A Emenda à Constituição n. 66/2010 apenas excluiu os requisitos temporais para facilitar o divórcio.
2.2. O constituinte derivado reformador não revogou, expressa ou tacitamente, a legislação ordinária que cuida da separação judicial, apenas facultou às partes dissolver a sociedade conjugal direta e definitivamente através do divórcio. 3. Conforme entendimento desta Corte, a interposição de recursos cabíveis não implica “litigância de má-fé nem ato atentatório à dignidade da justiça, ainda que com argumentos reiteradamente refutados pelo Tribunal de origem ou sem alegação de fundamento novo” (AgRg nos EDcl no REsp n. 1.333.425/SP, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJe 4/12/2012). 4. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp 1882664/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/11/2020, DJe 30/11/2020)”

Portanto, apesar de no divórcio a separação de fato pôr fim ao regime de bens imediatamente, quando se trata de herança mister atentar-se à regra do art. 1.830 do CC, pois a EC 66/2010 mirou apenas a facilitação do rompimento do vínculo conjugal.

Contudo, considerando que o Direito de Família e Sucessões não é estanque, vale o debate com apoio na doutrina.

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