O sujeito apaixonado resolveu registrar como sua a filha da namorada que sabia ser de outro. Passado algum tempo, o namoro terminou e o pai caridoso, arrependido, quer “deixar de ser pai” para não pagar alimentos e, claro, por uma “pontinha” de vingança. E aí?
Trata-se da filiação socioafetiva, na qual existe o reconhecimento da paternidade sem que haja vínculo biológico ou o procedimento formal de adoção. Para sair dessa aciona-se o Judiciário por Ação Negatória de Paternidade c/c Retificação de Registro Civil.
Porém, ainda que o exame de DNA prove a não existência de vínculo biológico, outro ponto merece destaque bem maior: o Laudo de PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Assim, se entre o pai e a criança já existe afetividade, o laço da paternidade não será desfeito, pois prevalecerá o melhor interesse do menor.
Mas não precisa começar a ser rude com os filhos da sua namorada, pois carinho e afeto, por si só, não caracterizam reconhecimento tácito de paternidade, pois nesse mister é imprescindível um ato formal, no qual haja a intenção de formar o vínculo de parentesco.
Outra: se a criança nasceu e você tem dúvida se é o pai biológico, recorra logo ao Exame de DNA, pois se o tempo passar e os laços de afetividade se formarem, já sabe o resultado. Mas lembre-se que a criança não tem culpa de nada e pondere os seus sentimentos.
Para fixar, os artigos 1.609 e 1.610 do CC vedam a revogação do reconhecimento de paternidade, “verbis”:
“Art. 1.609 do CC. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:
I – no registro do nascimento;
II – por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
III – por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV – por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.
Art. 1.610 do CC. O reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em testamento.”
Ainda sobre o tema, veja-se os seguintes Acórdãos recentíssimos do TJDFT, “verbis”:
DIREITO DE FAMÍLIA. ANULAÇÃO DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. AUSÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO. VONTADE DE ESTABELECIMENTO DE VÍNCULO PARENTAL. AUSÊNCIA. VÍNCULO SOCIOAFETIVO. NÃO COMPROVADO. PATERNIDADE DESCONSTITUÍDA. SENTENÇA MANTIDA. 1. Mediante teste de DNA, a paternidade biológica foi descartada e, por meio de parecer pericial, também foi afastada a paternidade socioafetiva entre o autor e a menor apelante. 2. Não tendo sido demonstrado o vínculo biológico ou socioafetivo entre os contendentes e qualquer evidência concreta de que o apelado conhecia do fato que não era o pai biológico da menor por ocasião do registro de seu nascimento, o argumento da apelante de se trata de mero arrependimento do autor não pode ser constatado e, por consequência, não deve impor as responsabilidades da paternidade ao autor. 3. Recurso conhecido e não provido. Unânime. (Acórdão 1248607, DJE 20.5.2020, 7ª Turma Cível, Rel. Des. Romeu Gonzaga Neiva).
DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. DECLARAÇÃO DE PATERNIDADE POST MORTEM. MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. NECESSIDADE. ÔNUS DA PROVA. FATO CONSTITUTIVO. AUTOR. 1. A filiação socioafetiva consiste no reconhecimento da paternidade ou maternidade sem que haja vínculo biológico ou procedimento formal de adoção. 2. A simples relação de carinho e afeto não possui o condão de, por si só, atestar a paternidade socioafetiva, sendo indispensável a demonstração da intenção inequívoca das partes de reconhecerem o vínculo jurídico de parentesco. 3. O artigo 373 do Código de Processo Civil estipula a forma de distribuição do ônus da prova, cabendo ao autor provar o fato constitutivo de seu direito, enquanto ao réu incumbe a comprovação dos fatos impeditivos, extintivos ou modificativos dos direitos da parte adversa. 4. Recurso não provido. (Acórdão 1247389, DJE 19.5.2020, 8ª Turma Cível, Rel. Des. Mario-Zam Belmiro)
APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. AUSÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO. INEXISTÊNCIA DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL DOS MENORES. 1. A retificação do registro civil para desconstituir a paternidade depende da configuração de vício de consentimento, bem como da inexistência de relação socioafetiva entre pai e filho. Precedentes do E. STJ. 2. Não pode o Judiciário impor os deveres de cuidado, de carinho e de sustento a alguém que, não sendo o pai biológico, também não deseja ser pai sócio-afetivo. (Acórdão n.821023, 20120510066166APC, Relator: ESDRAS NEVES, 6ª Turma Cível, DJE: 30/09/2014). 3. Deu-se provimento ao apelo do autor. *Acórdão 1246448, DJE 12.5.2020, 4ª Turma Cível, Rel. Des. Sérgio Rocha).