2 anos sem viajar e bate aquela vontade de fazer algo diferente, porque ninguém aguenta mais fugir para a cachoeira mais próxima (piada de brasiliense). Ideia: vamos fazer um Cruzeiro! Divide no cartão sem juros, navega apenas pela costa brasileira e, assim, diminui o risco de contágio. Ótimo, só que o navio “vem de fora” e tripulado por pessoas do mundo inteiro.
“Deu ruim”: dezenas de passageiros e tripulantes testaram positivo e a viagem é suspensa e/ou cancelada. Com efeito, há confinamento, o serviço de bordo é reduzido, a limpeza das cabines suspensa, os canais abertos de TV são desligados e não há informação adequada. Resultado: PÂNICO e REVOLTA!
Nem vou comentar sobre quem comprou passagens de uma empresa de ônibus que resolveu voar sem ter asas sólidas. Resultado: PÂNICO e REVOLTA. Uma pena, porque empregaram muita gente e havia sinais de concorrência com as “poderosas”.
Enfim, cabem DANOS MATERIAIS e MORAIS, mas vou cobrar de quem? Antes, saiba que no Direito Brasileiro não existe definição objetiva sobre o que é dano moral, pois algumas situações são encaradas como mero aborrecimento cotidiano.
Mas ficar confinado numa cabine com 12m2, privado de informações, com alimentação fria, reduzida e sem disciplina de horários e, não bastasse, com o banheiro sujo é, no mínimo, TRAUMATIZANTE! Situação como essa ofende a dignidade da pessoa humana e transpassa o mero dissabor.
Então, além de cobrar o dinheiro gasto, pode-se requerer DANOS MORAIS, em face do abalo psicológico sofrido. Neste ponto, se as medidas sanitárias preventivas foram cumpridas, a indenização pelos danos IMATERIAIS não seria pela contaminação em si pela falta de NEXO CAUSAL, mas pelas consequências das falhas na prestação dos serviços supervenientes à constatação do contágio, ou seja, pelo DESDOBRAMENTO.
Nesse objetivo, é importante armar-se provas que retirem sua causa da “vala comum” do mero dissabor. Logo, procure adotar as seguintes providências:
– guarde os bilhetes/vouchers;
– guarde as notas fiscais e comprovantes dos cartões de crédito;
– fotografe o “dia a dia” na cabine;
– grave as mensagens pelo sistema de som;
– registre o horário do serviço de bordo; e,
– se encontrar com outro confinado no corredor, já peça o seu testemunho;
Sobre o valor da indenização por danos morais, não vale a pena “chutar” lá no alto, porque o Judiciário Brasileiro não age como o Norte Americano, onde as indenizações realmente são altas. Mas, para não ser irrisória, pede ao seu advogado para atentar-se ao método bifásico sugerido pelo STJ em recentes julgados, providência que obriga o magistrado analisar o “seu caso” com lupa específica.
E cobrar de quem mesmo? Da empresa operadora do Cruzeiro e da Agência que lhe vendeu o Pacote, porque há solidariedade entre todos aqueles que intermediaram a relação de consumo. No ponto, veja-se o recente julgado do STJ, “verbis”:
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CONTRATO DE PACOTE TURÍSTICO. FRAUDE COMPROVADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS RÉUS. SÚMULA 7/STJ. DANOS MORAIS. VALOR RAZOÁVEL. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. Agravo interno contra decisão da Presidência que não conheceu do agravo em recurso especial, em razão da falta de impugnação específica de fundamentos decisórios. Reconsideração. 2. A ausência de impugnação, nas razões do recurso especial, de fundamento autônomo e suficiente à manutenção do acórdão estadual atrai, por analogia, o óbice da Súmula 283 do STF. 3. O acórdão recorrido observou que há elementos suficientes nos autos para concluir-se pela responsabilidade solidária de todos os demandados pela falha na prestação do serviço, pois intermediaram a relação de consumo. A modificação de tal entendimento esbarra na Súmula 7/STJ. 4. Segundo o Tribunal de origem, ficaram demonstrados o ato ilícito (falha na prestação do serviço) e o prejuízo causado ao autor, que teve ferido o direito de ter o pacote de turismo prestado nos termos em que contratado, impondo-se o ressarcimento pelo serviço não executado. A alteração de tal conclusão é inviável no âmbito estreito do recurso especial. Incidência da Súmula 7/STJ. 5. O valor arbitrado pelas instâncias ordinárias a título de danos morais, somente pode ser revisado em sede de recurso especial quando irrisório ou exorbitante. No caso, o montante fixado em R$10.000,00 (dez mil reais) não se mostra exorbitante nem desproporcional aos danos causados ao autor, que sofreu vultoso prejuízo financeiro e inadimplemento quanto à viagem internacional contratada para todos integrantes da família. 6. Agravo interno provido para conhecer do agravo e negar provimento ao recurso especial. (AgInt nos EDcl no AREsp 1827754/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 04/10/2021, DJe 08/11/2021).
Bom mesmo é ter cautela e não arriscar-se em demasia, porque o surto de novas contaminações em navios era previsível, salvo melhor juízo.