Você visitou o “stand” de um lançamento imobiliário e encantou-se com o apartamento decorado. Então, vendeu o seu imóvel e pagou um sinal considerável para adquirir a unidade desejada, firmando um instrumento particular de promessa de compra e venda, no qual foi estabelecido o prazo de entrega de 36 meses, acrescido do “prazo de tolerância” de 6 meses.
Sabendo que o “excepcional costuma transformar-se em ordinário”, você considerou que a entrega aconteceria em 42 meses. Enquanto isso, aplicou o que sobrou e foi morar de aluguel.
Passados os 42 meses, a incorporadora não entregou o imóvel, sob a alegação de que o “habite-se” estava atrasado por culpa da Administração. Ainda, que tal fato caracterizaria caso fortuito ou de força maior, razão pela qual não haveria motivo para rescisão do contrato e aplicação de multa. Está certo isso? Claro que não!
Saiba que o “habite-se” é uma certidão expedida pela Administração atestando que o imóvel está pronto para ser habitado e, somente com a sua averbação, o promitente comprador pode viabilizar o financiamento e o recebimento das chaves do imóvel.
Ocorre que o atraso na obtenção do “habite-se” não caracteriza caso fortuito ou de força maior, pois está abrangido no “risco do negócio”. No ponto, veja-se o recente julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), “verbis”:
“APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA. CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR. NÃO COMPROVAÇÃO. INADIMPLEMENTO. RESCISÃO POR CULPA DO VENDEDOR. RETORNO DAS PARTES AO STAUS QUO ANTE. DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS. MULTA CONTRATUAL. 1. A controvérsia acerca do cumprimento de contrato de compra e venda de imóvel adquirido na planta deve ser dirimida à luz das normas consumeristas. 2. Eventuais infortúnios decorrentes de entraves junto à Administração Pública não configuram caso fortuito ou força maior, tratando-se de intempéries próprias da atividade econômica exercida pela construtora, que, quando define seu cronograma de obras, deve observar os riscos de sua atividade, não servindo, portanto, como justificativa para o descumprimento do prazo de entrega previsto no instrumento contratual. 3. Configurado o atraso na entrega do imóvel decorrente da desídia da construtora/contratada, impõe-se a resolução do contrato, com o devido o retorno das partes ao status quo ante, mediante a devolução integral e imediata das parcelas vertidas pelo consumidor, sem qualquer retenção. 4. A não entrega do imóvel no prazo ajustado impõe à promitente vendedora a obrigação de pagar a indenização mensal aos compradores, equivale a lucros cessantes, que são comprovados diante da própria mora da promitente vendedora. 5. Apelação cível conhecida e não provida. (Acórdão 1.329.320, 7ª TC, DJE 12/4/2021, Rel. Des. Getúlio de Moraes Oliveira).
Logo, se venceu o prazo para a entrega do imóvel (incluindo o “prazo de tolerância”), o adquirente faz jus à rescisão do contrato e aos seguintes direitos: a- devolução do que foi pago em parcela única e sem nenhuma retenção, acrescida de juros e correção monetária; b- restituição da corretagem; e, c- indenização pela não fruição do bem. Novamente, veja-se o posicionamento do TJDFT sobre o tema, “verbis”:
“APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINARES. SUSPENSÃO DO FEITO. HOMOLOGAÇÃO DE PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AÇÃO DE CONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. LITISPENDÊNCIA. INOCORRÊNCIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. CULPA DA CONSTRUTORA. REPARAÇÃO DA MORA. STJ – TEMAS DE RECURSOS REPETITIVOS REPERCUSSÃO GERAL. 970 E 971. INVERSÃO DE CLÁUSULA MORATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM LUCROS CESSANTES. APLICABILIDADE. 1. A homologação de pedido de recuperação judicial não importa na extinção das demandas em fase de conhecimento. 2. Repele-se a preliminar de litispendência se, nos processos em que se alega conexão, não se verifica a tríplice identidade entre os elementos da ação (partes, causa de pedir e pedido), na forma do artigo 337, §§1º e 2º, do Código de Processo Civil. 3. Os artigos 18, 25, §1º, e o artigo 34 do Código de Defesa do Consumidor consagram a responsabilidade solidária daqueles que, de alguma forma, participaram da cadeia de consumo, na melhor expressão da teoria da aparência e à luz da boa-fé objetiva. 4. A relação jurídica estabelecida no contrato de promessa de compra e venda de imóvel é relação de consumo quando as partes emolduram-se nos conceitos de consumidor e fornecedor previstos nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor. 5. Nos casos em que for legítima a rescisão contratual com retorno das partes ao estado anterior à contratação, mostra-se cabível a devolução da totalidade das verbas adimplidas pela parte promissária/compradora, aí incluída, a comissão de corretagem. 6. O egrégio Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar os temas 970 e 971 sob o rito dos recursos repetitivos e, portanto, de observância obrigatória, definiu possibilidade de inversão dos deveres decorrentes da cláusula moratória estabelecida exclusivamente em desfavor do promitente comprador para a finalidade de reparação em decorrência da mora, inviabilizando, todavia, sua cumulação com condenação à reparação por lucros cessantes. 7. Apelações conhecidas e não providas. Honorários recursais fixados. (Acórdão 1.315.910, 6ª TC, DJE 1/3/2021, Rel. Des. Arquibaldo Carneiro Portela).”
Destaco que tais consequências decorrem da rescisão contratual por CULPA EXCLUSIVA da incorporadora e promitente vendedora. Assunto sensível e tormentoso, com algumas variações. O “remédio jurídico”, se o acordo não for possível, é a Ação de Rescisão Contratual c/c Cobrança das Parcelas Pagas e Indenização pela Não Fruição do Bem.
Em relação à não fruição do bem, a indenização pode decorrer da aplicação de multa compensatória, que já contempla a prefixação das perdas e danos ou, na ausência de sua previsão, do equivalente ao aluguel de imóvel semelhante e em localização próxima, a contar da data em que o imóvel deveria ter sido entregue. No ponto, recomenda-se a juntada de avaliações realizadas por imobiliárias c/c pesquisas em “sites” imobiliários.