Fala verdade: ninguém casa para não dar certo! O casal acredita que o casamento será até que a morte os separe. “Só que não”, porque o amor não cultivado liga o módulo “automático” e resulta em divórcio – a rescisão antecipada do contrato.
De repente, um dos cônjuges recebe R$ 1.000.000,00 de herança e o casal, sob o regime de comunhão parcial de bens, resolve vender o apartamento adquirido em comum (aquesto) por R$ 500.000,00 e comprar outro por R$ 1.500.000,00, utilizando integralmente o dinheiro herdado. Pronto, sonho realizado e vida que segue.
Passados alguns anos, o casamento chega ao fim e surge das trevas o espírito guerreiro da partilha, sempre acompanhado dos “amigos conselheiros” (os Brothers e as “Migas”): o cônjuge que NÃO recebeu a herança quer 50% do novo apartamento, ou seja, R$ 750.000,00. Pode isso?
Não, porque o valor de R$ 1.000.000,00 aplicado na transação foi objeto de sub-rogação total da herança e não se comunicará. Logo, o cônjuge “fominha” terá direito apenas a R$ 250.000,00, ou seja, 50% do valor do imóvel antigo. O outro fará jus a R$ 1.250.000,00 (50% do aquesto + 100% da herança sub-rogada).
Com o tempo é difícil provar a sub-rogação do bem particular. Mas segue a dica: insere no instrumento particular de promessa de compra e venda e/ou na escritura pública a CLÁUSULA DE RESERVA DE BEM PARTICULAR, deixando evidenciada a origem e a proporção dos recursos utilizados.
Com base no exemplo acima, consigna na escritura: “os adquirentes declaram que o valor de R$ 1.000.000,00, aplicado na aquisição deste imóvel, é proveniente da herança obtida pela mulher, caracterizando sub-rogação de bem particular, enquanto, os demais R$ 500.000,00, são aquestos”.
A propósito, esclareço: aquesto é tudo que se adquire onerosamente na constância do casamento.
Mas, se não teve coragem de consignar a reserva de bem particular, aguarda uma oportunidade em que o assunto vier à tona e formaliza um documento específico, em aditamento, para constituir prova constituída que no futuro facilitará a preservação do seu patrimônio particular, porque com o passar dos anos torna-se difícil (porém, não impossível) provar o “caminho do dinheiro”.
No ponto, veja-se esse recente e elucidativo julgado do TJDFT, “verbis”:
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. DIVÓRCIO. PARTILHA. COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. REVELIA. PRODUÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. SUB-ROGAÇÃO DE BENS COMPROVADA. IMÓVEL ADQUIRIDO NO CURSO DO CASAMENTO COM OS FRUTOS DA VENDA DE BEM PARTICULAR PRÉ-EXISTENTE AO CASAMENTO. MEAÇÃO PROPORCIONAL SOBRE A PARCELA DO ACERVO QUITADA PELO ESFORÇO COMUM. CABIMENTO. EMBARGOS COM FINS DE PREQUESTIONAMENTO. MATÉRIA SUFICIENTEMENTE ANALISADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. 1. Os embargos de declaratórios têm cabimento apenas quando se verificar a existência de contradição, obscuridade ou omissão no ato judicial ou ainda para correção de erro material, conforme exegese do art. 1.022 do Código de Processo Civil – CPC, sendo necessário que a parte aponte e demonstre a ocorrência de um desses vícios, sob pena de insucesso da medida. 2. Constatada, a toda evidência, que a parte embargante pretende a rediscussão de matéria em via inadequada, porquanto pretende a modificação do acórdão proferido, a pretexto de aparente contradição, obscuridade e omissão. Aliás, no presente caso, observa-se que o acórdão impugnado expressamente se manifestou acerca das questões necessárias para firmar a convicção exarada no julgado, não havendo vício a ser sanado pela via aclaratória. 3. Restando suficientemente demonstrado, mediante robusta prova documental, a sub-rogação de bem pertencente exclusivamente ao réu porquanto adquirido antes do casamento, consoante cadeia dominial extraída das datas e dos valores constantes em escrituras públicas de compra e venda de imóveis, as quais atestam que no mesmo momento em que um imóvel era alienado, um outro era comprado até a sobrevinda do aquesto em voga, de modo que parte deste deriva da alienação de bem particular dele, a partilha deve incidir apenas sobre a parcela quitada durante o casamento, única que seria fruto do esforço comum de ambos os cônjuges, condição que afasta a alegada omissão. 4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ afirma que o prequestionamento essencial está relacionado à matéria debatida e não ao preceito legal apontado pela parte, frise-se. 5. Portanto, inexistindo qualquer vício a ser sanado e considerando que a via dos embargos de declaração não serve à reapreciação de matéria exaustivamente debatida nem a modificar o resultado do julgamento do apelo, rejeitam-se os embargos aclaratórios. 6. Embargados de declaração rejeitados. (Acórdão 1.365.326, DJE 1/9/21, Rel. Des. Alfeu Machado).
Boa sorte e lembre-se: quem realmente ama não vai deixar de adotar medida tão simples e racional. Portanto, perde o medo e protege o seu patrimônio particular.