ALIMENTOS , ESTÃO GASTANDO CORRETAMENTE ?

Pago pensão alimentícia para o meu filho e tenho dúvida se o dinheiro realmente está sendo bem empregado. Então, posso exigir judicialmente que a mãe dele preste contas e, se eventualmente constados os desvios, seja viabilizada a devolução dos respectivos valores?

O STJ manifestou-se a respeito no julgamento do REsp 1.814.639, publicado no DJe de 9/6/2020. Sem “juridiquês”, “poder, até que pode”, mas sem viabilizar a devolução. Explico!

Imagine que João pague o equivalente a 2 salários mínimos para o filho Juca, mediante depósitos mensais na conta corrente da mãe, que é a detentora da guarda unilateral (guardiã). Ela trocou de carro e o menino de escola, porém, para uma pior. Ah, ele também saiu da natação. Sinal de alerta!

Sim, a Ação de Exigir Contas (que era chamada de Prestação de Contas) poderá ser o “remédio” para obrigá-la a “abrir a planilha”. Contudo, ainda que comprovado o desvio de dinheiro em proveito próprio, aquilo que foi pago não será restituído, pois os alimentos não são repetíveis, ou seja, restituíveis.

Logo, constatados os desvios, serão necessárias outras providências judiciais como, por exemplo, a alteração da forma de pagamento dos alimentos ou, até mesmo, a reversão da guarda. Para tanto, existem ações próprias.

Veja: a- a pensão alimentícia pode ser paga em pecúnia (dinheiro) ou “in natura” (ao invés de depositar, paga-se os carnês); b- é possível cumular as duas formas ou viabilizar tudo em dinheiro; e, c- a jurisprudência não tem admitido tudo “in natura”, sendo necessário mesclar.

Assim, se constatado que a guardiã realmente não está empregando o dinheiro (tudo ou parte) em benefício da criança, o pai poderá redefinir a forma de pagamento, por exemplo: os 100% em pecúnia serão, doravante, 80% “in natura” e, 20%, em dinheiro. Para tanto, move-se uma Ação Revisional de Alimentos ou de Modificação de Cláusula (o nome não é importante), com a finalidade de alterar a forma da prestação.

Outra alternativa consiste na Ação de Reversão de Guarda, de modo que o pai passa a ser o guardião do menor e, dessa forma, a mãe deixa de receber os depósitos mensais. Esta solução é mais complicada, pois deve-se observar o Princípio do Melhor Interesse da Criança, haja vista que o “guri” pode ter maior afinidade e afetividade com a mãe, não obstante descontrole financeiro desta.

Na sequência, a ementa do citado julgado do STJ, “verbis”:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. PENSÃO ALIMENTÍCIA. ART. 1.583, § 5º, DO CC/02. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. VIABILIDADE JURÍDICA DA AÇÃO DE EXIGIR CONTAS. INTERESSE JURÍDICO E ADEQUAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL PRESENTES. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE.PROVIDO. 1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. Não há falar em omissão ou negativa de prestação jurisdicional, na medida em que o Tribunal gaúcho dirimiu, de forma motivada, as questões devolvidas em grau de apelação, pondo fim à controvérsia dos autos. 3. O cerne da controvérsia gira em torno da viabilidade jurídica da ação de prestar (exigir) contas ajuizada pelo alimentante contra a guardiã do menor/alimentado para obtenção de informações acerca da destinação da pensão paga mensalmente. 4. O ingresso no ordenamento jurídico da Lei nº 13.058/2014 incluiu a polêmica norma contida no § 5º do art. 1.583 do CC/02, versando sobre a legitimidade do genitor não guardião para exigir informações e/ou prestação de contas contra a guardiã unilateral, devendo a questão ser analisada, com especial ênfase, à luz dos princípios da proteção integral da criança e do adolescente, da isonomia e, principalmente, da dignidade da pessoa humana, que são consagrados pela ordem constitucional vigente. 5. Na perspectiva do princípio da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente e do legítimo exercício da autoridade parental, em determinadas hipóteses, é juridicamente viável a ação de exigir contas ajuizada por genitor(a) alimentante contra a(o) guardiã(o) e representante legal de alimentado incapaz, na medida em que tal pretensão, no mínimo, indiretamente, está relacionada com a saúde física e também psicológica do menor, lembrando que a lei não traz palavras inúteis. 6. Como os alimentos prestados são imprescindíveis para própria sobrevivência do alimentado, que no caso tem seríssimos problemas de saúde, eles devem ao menos assegurar uma existência digna a quem os recebe. Assim, a função supervisora, por quaisquer dos detentores do poder familiar, em relação ao modo pelo qual a verba alimentar fornecida é empregada, além de ser um dever imposto pelo legislador, é um mecanismo que dá concretude ao princípio do melhor interesse e da proteção integral da criança ou do adolescente. 7. O poder familiar que detêm os genitores em relação aos filhos menores, a teor do art. 1.632 do CC/02, não se desfaz com o término do vínculo matrimonial ou da união estável deles, permanecendo intacto o poder-dever do não-guardião de defender os interesses superiores do menor incapaz, ressaltando que a base que o legitima é o princípio já destacado. 8. Em determinadas situações, não se pode negar ao alimentante não-guardião o direito de averiguar se os valores que paga a título de pensão alimentícia estão sendo realmente dirigidos ao beneficiário e voltados ao pagamento de suas despesas e ao atendimento dos seus interesses básicos fundamentais, sob pena de se impedir o exercício pleno do poder familiar. 9. Não há apenas interesse jurídico, mas também o dever legal, por força do § 5º do art. 1.538 do CC/02, do genitor alimentante de acompanhar os gastos com o filho alimentado que não se encontra sob a sua guarda, fiscalizando o atendimento integral de suas necessidades materiais e imateriais essenciais ao seu desenvolvimento físico e também psicológico, aferindo o real destino do emprego da verba alimentar que paga mensalmente, pois ela é voltada para esse fim. 9.1. O que justifica o legítimo interesse processual em ação dessa natureza é só e exclusivamente a finalidade protetiva da criança ou do adolescente beneficiário dos alimentos, diante da sua possível malversação, e não o eventual acertamento de contas, perseguições ou picuinhas com a(o) guardiã(ao), devendo ela ser dosada, ficando vedada a possibilidade de apuração de créditos ou preparação de revisional pois os alimentos são irrepetíveis. 10. Recurso especial parcialmente provido.

Compartilhe:

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais postagens

ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO

REVOGAÇÃO DA PROCURAÇÃO

Alguém duvida que o mundo está cheio de “Bruacas” e “Tenórios”? Na ficção, ela outorgou procuração para ele gerir todos os seus bens e direitos,

Leia mais »